Queremos que tudo na nossa vida tenha ‘bom senso’. E é claro que esse ‘bom senso’ representa aquilo que achamos ser o melhor para nós mesmos, ou seja, que tenhamos saúde, muitas alegrias senão felicidade plena, que possamos viver sem problemas para não ter que mudar nossas rotinas, não ter dor de nenhuma espécie, encontrar somente boas pessoas e, assim, poder viver a vida com todo ‘bom senso’ que merecemos. Mas sabemos que a vida não se apresenta com todo esse ‘bom senso’ que gostaríamos. Muitas são nossas adversidades. E por incrível que pareça justamente esse ‘contrassenso’ é que faz com que nossa vida tenha cada vez mais ‘bom senso’.
Talvez o mais importante de todos os sensos é o senso de si mesmo. Diz a frase: “Homem, conhece-te a ti mesmo.” escrita no portal do Oráculo de Delfos, dedicado a Apolo, situado na Grécia antiga. É esse ‘conhecer-se a si mesmo’ que nos faz buscar um senso de direção, uma luz que nos mostre o melhor caminho e que nos dê um senso de equilíbrio e harmonia na vida.
Ter senso de si mesmo requer um processo constante de experiências e aprendizados. Mas para ter senso de si mesmo é preciso, antes de tudo, ter consciência de si mesmo, o que nos conduzirá à nossa relação com os outros e com Deus. Passamos uma vida sem nos conhecer de verdade e sem perceber nossa fragilidade e temporariedade. Não nos damos conta das oportunidades que temos de despertar nosso senso de direção para nossa evolução como seres humanos, a qual é muito mais espiritual do que material. A evolução espiritual, levamos eternamente conosco; a material, fica aqui neste plano. Passamos uma vida alimentando somente vagas sensações, esperanças, vontades, ideias, paixões. ‘Achamos’ muita coisa, mas na verdade não ‘sabemos’ nada.
Também não temos noção do nosso grau de evolução e força interior, que com certeza nos ajudam a suportar e superar as adversidades. Alguém pode até nos contar como foi difícil sua experiência, como foi dolorida, como foi devastadora, ou como foi um ponto de partida para uma grande mudança, uma superação, mas nada disso nos faz sentir o que o outro sentiu. É intransferível. O ser humano precisa vivenciar a mesma experiência, mas para compreender da sua forma, pois cada experiência é única e particular. Nossa empatia com o outro tem limites estreitos, por mais que haja amor e compaixão.
Passei por muitas adversidades na minha vida e tenho consciência de que cada uma contribuiu de alguma forma para a minha evolução espiritual. Entretanto, considero que uma dessas adversidades (dividida em várias etapas) foi a que deu um novo ‘senso de direção’ à minha vida.
Eu achava que uma coluna era simplesmente uma coluna, ou seja, como o próprio nome já diz, uma estrutura que dá sustentação a alguma coisa. No caso, essa coisa era a coluna vertebral do meu corpo. Algo que não nos suscita a atenção enquanto está cumprindo sua função. O contrassenso é que essa coluna não dava a sustentação que deveria, uma vez que desmoronou fisicamente e ‘desmoronou’ também, em princípio, a minha vida. Depois de um bom tempo, pude entender que era um ‘presente’, pois me proporcionou um novo senso de mim mesma.
Ironia da vida? Acredito que não. Cada um tem ou terá experiências que o conduzirá ao senso de si mesmo. Essa consciência ocorrerá de alguma forma. Mas sempre virá. Temos que ter consciência de que são as grandes dificuldades da nossa vida que nos despertam para novos portais, os quais nos levarão a novas vivências e, a partir de então, com uma nova consciência.
As mudanças positivas na nossa forma de pensar, nas nossas vontades e nas nossas ações ocorrem normalmente com nossa conscientização sobre a vida e o ser humano, sua importância e temporariedade, sua origem e destino. Mas, nada acontece de forma muito fácil e sem dor. Tudo é mais ‘confortável’ e cômodo quando não mudamos nada. Temos uma saúde boa, apesar de eventuais probleminhas e cuidados. Vivemos sempre com as mesmas manias, rotinas, necessidades, vontades, assim como pensamentos e conceitos. Estes muitas vezes tão arraigados e imperativos que comandam nossas vidas, por acharmos que são os mais verdadeiros e essenciais – os melhores que conseguimos absorver durante nossa vida e, portanto, uma verdade absoluta. Chega o dia, qualquer dia, no qual tudo pode ser colocado à prova. Por inúmeras razões, algum acontecimento pode nos levar na contramão de tudo o que até então acreditávamos.
Muitas vezes precisamos de solavancos para mudar. Mudança é algo que é difícil fazer porque precisamos sair da nossa zona de conforto, da mesmice que já conhecemos, da forma boa ou ruim que encontramos para viver, mas uma forma que conhecemos bem e, assim, nos acomodamos. Mudar exige coragem. Adversidades exigem transformação interior e exterior. Sofrimento exige superação e aceitação. O dia a dia exige paciência e restrição. A resignação exige amor e fé.
Minha coluna tem um processo degenerativo muito intenso nos discos e vértebras, com muitos problemas, muita dor, que culminou na sua total degeneração e ‘desmoronamento’. Várias cirurgias foram feitas para reestruturá-la, as quais tiveram enxertos ósseos no lugar dos discos e materiais cirúrgicos (titânio), estes parcialmente retirados posteriormente. Vide a foto deste post – minha coluna.
Pensava eu que com tudo isso, meu problema estaria resolvido. Mas as coisas não aconteceram assim e este foi apenas o início da transformação do meu corpo inteiro, cada vez mais degenerado, limitado, e com muita dor ininterrupta e sem fim. É uma doença degenerativa contínua. Outras cirurgias foram necessárias para solucionar problemas correlacionados ou não, mas que também trouxeram sequelas e muito sofrimento, além de muitas cicatrizes, internas e externas. A degeneração continua, não dando alternativas, limitando o corpo físico cada vez mais, mas a vida também continua. E é essa vida que eu tenho que valorizar porque ela é uma dádiva divina e eu sei que a Luz Infinita de Deus me acolhe e fortalece.
O que parece ser motivo de desestímulo trouxe muito mais força e coragem. Nada foi ou é fácil, mas tem que ser vivido, sem alternativa. É a forma de enxergar a ‘realidade’ que faz toda diferença – enquanto alguns se aniquilam e se entregam ao desencanto e tristeza, morrendo em vida, outros veem nisso uma oportunidade de crescimento interior, de novos caminhos. Esta última foi a minha escolha.
Antes ainda das primeiras cirurgias eu já realizava trabalhos voluntários, mas depois delas, mesmo com muita dificuldade e dor, o trabalho continuou, entretanto com uma nova sensibilidade e compaixão pelo próximo. Essas experiências me mostraram de imediato o quanto somos dependentes e necessitamos uns dos outros – não podia sequer imaginar que um dia eu não tivesse autonomia para nada e ficasse entregue a pessoas estranhas para cuidar das coisas mais básicas e… íntimas. Difícil forma de constatação da nossa fragilidade e dependência, mas só entendemos isso profundamente quando aquilo que nos parecia improvável, acontece também conosco. Não estamos imunes a nada. Somos tão frágeis quanto qualquer outra pessoa, outro corpo, outra vida.
O senso de mim leva ao senso do meu semelhante. Ao conhecer a mim mesmo, a minha origem e destino, aprendo a enxergar o outro como meu irmão, já que somos todos filhos de Deus, e assim percebo que nossas diferenças são aparentes, fruto da nossa ilusão de individualidade. Nossas reais diferenças se resumem no nível de evolução de cada um. Mas todos têm suas provações e defeitos, sem exceção. Essa consciência é essencial para que aprendamos a amar e respeitar o outro incondicionalmente. Eu preciso do outro para evoluir, assim como ele precisa de mim, pois somos reflexos e nos espelhamos um no outro. É assim que nos conscientizamos dos nossos defeitos e podemos refreá-los, porque enquanto isso não acontece, parecemos perfeitos para nós mesmos.
Quando todos nossos sensos apontarem em direção ao Amor Incondicional a toda Criação, podemos dizer que estamos no caminho da espiritualidade consciente e responsável. Isso significa dizer que é o Amor a energia que comanda toda a existência. Ele se manifesta de diferentes formas, como por exemplo, respeito, ética, fraternidade, solidariedade, caridade, compaixão, moral, benevolência, amizade, perdão, gratidão, e todas elas consideram quaisquer relacionamentos em toda a Criação.
No decorrer da nossa vida, vamos percebendo que tudo aquilo que consideramos um ‘contrassenso’ é justamente o que nos dá a oportunidade de despertar nossos ‘sensos’, os quais definirão nosso caminho. Aceitar e transformar cada oportunidade da nossa vida em aprendizado e crescimento faz com que a espiritualidade se desenvolva em nós, mesmo que não tenhamos consciência disso. Então o senso de direção é definido para o “caminho do meio”, aquele que traz o equilíbrio e a harmonia, aquele que faz existir o bom senso mesmo com tantos contrassensos.