A expressão “Assim Seja” está presente em algumas religiões e em todas as sociedades místicas, entretanto muito pouco se sabe do seu profundo significado, da sua força e poder intrínsecos.
O “Assim Seja” faz parte da nossa existência, do nosso dia a dia, dos nossos sonhos e desejos, e principalmente da nossa evolução espiritual. Cada degrau que subimos, cada passo que damos para frente, tem sua origem no “Assim Seja”.
Gramaticalmente, o vocábulo ASSIM é um advérbio de modo, cujo sentido nessa expressão é “como”. O “como” representa a qualidade da nossa vida, ou seja, a maneira como vivemos a vida e nos situamos frente às nossas realidades e experiências, sejam elas materiais ou espirituais. Percebemos assim que o real sentido da nossa existência não está no “porque”, nem no “para que”, mas sim no “como” vivemos.
O verbo SER é um “verbo de ligação”, que representa nossa ligação com Deus. Metaforicamente falando, talvez possamos compará-lo ao “fio de prata” que nos mantém ligados a Deus desde a nossa Criação. O verbo ser é um verbo que nos remete ao Logos, à manifestação da Inteligência Cósmica.
Na gramática, a ação é representada pelo “verbo” e o único verbo que pode agir e modificar a qualidade da nossa vida é o verbo SER, porque dependendo de COMO SOMOS, nossa vida será melhor ou pior. O verbo SER permeia não só nossa vida atual como toda nossa existência, transformando-nos paulatina e continuamente. Somos, portanto, os únicos responsáveis pela qualidade das nossas vidas e, consequentemente, pela elevação da nossa consciência para compreensão e aceitação do “Assim Seja”.
Existem dois lados de nós mesmos: aquele que ignora o verdadeiro significado do “Assim Seja” e aquele que testemunha o “Assim Seja”. O primeiro faz parte do mundo robótico, que nos deixa “inconscientes” da nossa ligação divina e do seu profundo significado, e por isso expressamos “assim seja” da boca para fora, de forma automática. O segundo faz parte da aceitação da espiritualidade na nossa vida e da nossa ligação com Deus, e quanto mais profunda, maior é a comunhão com Ele.
O “Assim Seja” está num nível de entendimento profundo e sintonizado com o Eu Interior, nossa alma, onde o ser humano simplesmente se curva à vontade de Deus – “que seja feita a Sua Vontade”, rende-se com total humildade, sem nenhum medo, dúvida ou controle. A entrega total exige confiança e fé irrestritas. Poucos de nós conseguimos enunciar o “Assim Seja” com essa conexão. Entretanto, toda nossa existência nos conduz para essa compreensão, o que ainda não ocorreu, porque o ser humano continua muito apegado a este mundo robótico e material, permitindo que seu ego exerça o controle sobre sua vida.
Falar de entrega à vontade de Deus e em aceitação das Suas Leis significa, na prática, viver em conformidade com essas Leis, sem reclamar, sem cobrar, sem blasfemar contra o “Assim Seja”, que é quando discordamos do fluxo das coisas na nossa vida e assim dizemos “Assim NÃO Seja”.
Enunciamos o “Assim NÃO Seja” com muita frequência e é por isso que sofremos. Ao blasfemar contra o “Assim Seja”, discordamos da vontade de Deus. E por isso nos entregamos à depressão, à tristeza, ao stress, ao desânimo; não aceitamos as pessoas como elas são; lutamos contra a correnteza e nos recusamos a aceitar o que, às vezes, não dá para negar, como por exemplo, as diferenças, a dualidade, as mudanças, as adversidades, as tragédias.
O ser humano precisa se conscientizar de que mais pronuncia o “Assim NÃO Seja” do que o “Assim Seja”. Durante toda nossa existência, precisamos realizar uma verdadeira alquimia espiritual para que possamos compreender e aceitar essa expressão. O ciclo da nossa existência depende da compreensão do “Assim Seja”.
O único caminho para isso é viver com flexibilidade. Ser flexível é aceitar o fluxo da vida e dos acontecimentos e isso envolve a renovação de conceitos, a resignação, a humildade, o amor incondicional, o perdão, o desapego, a espiritualidade. A flexibilidade vem da alma que é sábia, enquanto que a rigidez vem do ego que é inflexível, devido a sua arrogância. Devíamos tomar como exemplo a flexibilidade da água, que se molda a qualquer local, contorna os obstáculos, segue seu curso natural e calmamente. Também aceita o ciclo da natureza com seu movimento contínuo e mutações de estado – líquido, sólido e gasoso.
A sabedoria nos diz que lutar contra a correnteza é muito mais difícil, senão impossível, é desgastante e só traz infelicidade. Mesmo assim, o ser humano insiste no “Assim NÃO Seja”, querendo controlar o que é incontrolável, vivendo de ilusões, resistindo às mudanças e mutações e robotizando sua vida. Desta forma, não consegue perceber a transformação do mundo ao seu redor e se torna uma pessoa irascível. Aparentemente parece mais fácil viver assim devido ao comodismo e ao medo de mudar, características comuns no ser humano, mas a vida vai mostrando e trazendo inúmeras situações onde o homem acaba por sucumbir, entregando-se à depressão, ao desespero, à angústia, à ansiedade, simplesmente porque não sabe deixar “fluir”, ou seja, pratica o “Assim NÃO Seja”. Para que o homem aceite a flexibilidade ele precisa superar o seu ego, abrir-se ao questionamento, permitir mudanças de comportamento e renovação de conceitos. Evolução é lei, não tem como não evoluir. A resistência dificulta, atrasa, traz o sofrimento, a angústia e o medo.
Como se fechar ao novo e ao diferente quando sabemos que tudo muda a todo instante? Que nunca poderemos dizer que tudo conhecemos, porque isso seria impossível? Que aquilo que pensávamos que sabíamos, já não sabemos mais?
A flexibilidade promove a transformação interior, enquanto a estagnação ressalta os defeitos, como por exemplo, a intransigência, a implicância, a teimosia. É a partir da “flexibilização” que conseguimos aceitar a responsabilidade pelos nossos pensamentos, sentimentos e atitudes, porque reconhecemos que colhemos o que plantamos. Reconhecemos as causas e os efeitos. Desta forma, conseguimos controlar nosso ego e deixar o Eu Interior comandar.
Deixar fluir é aceitar a ritmicidade cósmica que comanda o Universo e que mantém tudo na mais perfeita harmonia. Quebrar esse ritmo é desarmonizar-se, desequilibrar-se, é insistir no “Assim NÃO Seja”.
A disposição íntima e integral de mudar sempre abre o caminho para que o “Assim Seja” possa trazer a Luz para dentro de si mesmo, fazendo a conexão direta com Deus, onde não há espaço ou tempo. O “Assim Seja” não considera, portanto, nem o passado e nem o futuro, ele está no “aqui e agora”, no presente.
Na nossa vida no plano terreno, estamos cansados de saber que o passado já foi, passou, não há o que fazer para alterá-lo. Entretanto, costumamos mantê-lo vivo dentro de nós através das nossas mágoas, culpas e desilusões. A energia do passado não nos permite entender o “Assim Seja”, porque se assim fosse não manteríamos essa energia latente. O futuro ainda não existe, e quando vivemos na dependência do futuro, deixamos de viver o presente, que é a única coisa que realmente temos e, assim, também não vivenciamos o “Assim Seja”.
O “Assim Seja” quer nos ensinar que as oportunidades do presente são a única coisa “viva” que possuímos, é o único tempo que existe de fato na nossa vida e é nele que devemos focar. A vida é muito efêmera e o tempo presente se apresenta como um imenso potencial de energias com as quais podemos controlar e transformar nossa trajetória. Não vivenciar o presente é, na realidade, uma forma de não querer assumir a responsabilidade pelo que está nos acontecendo. E assim, de justificativa em justificativa, acabamos perdendo o presente e as nossas oportunidades.
O passado e o futuro desaparecem no presente, porque o passado já “foi” e o futuro “será”, somente o presente “é”. Por isso dizemos “Assim Seja” e não “Assim Foi” ou “Assim Será”.
Na trajetória da nossa existência, a compreensão do “Assim Seja” tem como pré-requisito o reconhecimento de que tudo nos foi dado gratuitamente por Deus e tudo acontece “na graça de Deus” – é o princípio do “saber receber” e do “saber agradecer”. Quando nossos pensamentos, atitudes e sentimentos se afastam desse princípio, nos afastamos também do “Assim Seja”.
Também precisamos reconhecer o princípio da dualidade. Tudo tem dois lados e ambos fazem parte da nossa vida, inclusive o lado da escuridão, da sombra, aquele que nos faz sofrer – a morte, a doença, a dor, o erro, a tristeza, a desilusão, etc. Aceitar os dois lados significa aceitar que tudo isso “faz parte” e ambos têm o seu valor – um só existe a partir do outro. A escuridão é a ausência da luz, por exemplo.
O “Assim Seja” incorpora, portanto, tudo o que faz parte da nossa existência e traduz a genuína e integral aceitação das Leis Divinas; aceitação da Onipotência, Onipresença e Onisciência de Deus em toda a sua Criação. O “Assim Seja” reúne em si toda a energia do perdão a nós mesmos e da mais completa humildade de ser, a superação do ego, e a compreensão da divindade, do infinito e do eterno.
Quando compreendermos e aceitarmos o “Assim Seja” na sua essência, já não haverá mais quem diga o “Assim Seja”, porque seremos Um novamente ― o coração de Deus estará em nós e nosso coração estará em Deus.
“Assim Seja”.
Texto inspirado por texto de mesmo nome da AMORC.