O desejo é uma força de ação latente que precisa de um sujeito para existir, para se fazer presente, e ninguém consegue subtraí-lo.
Somos todos homens de desejo.
Por causa do “desejo”, o homem transformou-se em Deus-homem e “criou” um mundo totalmente fragmentado, um mundo de ilusões com ambição, paixão, orgulho, arrogância, apego à matéria, vaidade. Ilusões essas que o escravizam e desviam da sua essência.
O desejo é uma forte vibração interior que deixa nosso coração inquieto para conseguir a realização do que desejamos; ele ativa nossa ansiedade, nossas expectativas. Tudo na nossa vida vem primeiro dessa força.
É o desejo que anima nossa existência, permeia nossa vida e nos move nas nossas escolhas. Desejo de TER ou de SER, mas sempre o desejo.
O desejo de TER está vinculado ao mundo material e é o que remete o homem ao cerne da vida mundana. Esse é o “desejo do EGO”, o de “querer SER”, mas que ainda é o desejo de TER para SER, o que é invariavelmente uma atitude individual e egoísta, crente de que o homem tudo pode sem restrições.
O desejo do Ego é o combustível do nosso pensamento, das nossas ações e sentimentos. Somos, pois, pessoas diferentes no modo de ser, de agir e de pensar. Cada qual com suas características pessoais e intransferíveis. Não dá para ser igual a outrem, mesmo que espiritualmente falando. Cada um tem a sua alma e a sua trajetória de evolução – e não seria possível a evolução sem as diferenças, mas o desejo é inerente a todos nós.
O desejo de SER remete-nos ao “Eu Interior”, quando o homem adquire consciência da sua consciência, de que é dual, de que somente sua alma é imortal e que a sua trajetória sempre o levará de volta ao Pai, para a reintegração com Ele, acabando assim com o mundo fragmentado e ilusório.
Chega então o momento em que o desejo do homem envereda pelo caminho da busca pelo SER que habita no seu interior, em busca de algo que responda às questões: Quem somos nós? O que estamos fazendo aqui? Para onde vamos? Por que sofremos? O que é a Verdade? Qual a origem e o sentido do Universo? Onde está Deus?
Os questionamentos aumentam e chega a hora em que as perguntas precisam encontrar suas respostas. Chegamos numa etapa da nossa vida que desejamos algo mais do simplesmente viver a rotina do dia a dia, sem saber onde tudo isso vai dar. Tudo o que temos não nos completa, não nos satisfaz e não nos traz felicidade.
Desejamos conhecer algo mais de nós mesmos, da nossa origem, da nossa alma. O desejo pelo mundo exterior deixa de nos encantar e passamos a desejar algo mais, algo que esse mundo exterior não pode nos dar. Desejamos conhecer nossa alma.
O desejo leva-nos então a buscar o conhecimento, a compreensão e a sabedoria. Tornamo-nos “místicos”.
O desejo de todo místico é a união com seu conceito mais elevado de Deus. Como disse Jacob Boheme: “O iniciado que alcançou o ‘segredo’ foi chamado um místico” (1). O segredo é a consciência da “Divina Presença” dentro de nós mesmos e a relação direta e íntima com Deus que todo místico procura.
Aquele ‘deus exterior’, às vezes magnânimo e às vezes vingativo e maldoso, tanto cultuado anteriormente, que, aliás, foi criado pelo próprio homem para servi-lo e viabilizar seus desejos mais íntimos – esse deus cai por terra.
Quando desejamos realmente conhecer-nos a nós mesmos, aí então é que se inicia a nossa jornada interior à procura do Deus essencialmente bom, Onipresente, Onisciente, Onipotente, que compreendemos então estar dentro de nós mesmos e não no mundo exterior.
Um místico tem o desejo intrínseco de pesquisar, investigar, estudar, experimentar. Ele busca o conhecimento onde quer que ele esteja, uma vez que ele sabe que o conhecimento é impessoal e intransferível.
Nunca um homem pode dizer que sabe tudo e que nada mais tem a aprender. Dizer tal coisa seria o mesmo que dizer que há um limite para o aprendizado e que a informação já adquirida não evolui. O homem pode até estar no “seu” limite, ou seja, no “seu recipiente mental” não cabe mais nada, o que é uma escolha sua. Talvez por comodismo, por vaidade, por prepotência.
Os homens se mantêm frequentemente na ignorância por causa da sua intolerância e de sua tendência a só crer no que desejam crer. O desejo do homem interfere na amplitude do seu conhecimento porque ele sabe que quanto mais conhecimento, mais responsabilidade. E quem deseja ter mais responsabilidade? Um verdadeiro místico a deseja, ele não tem medo dela.
O místico que já ultrapassou vários umbrais e expandiu um pouco mais a sua consciência, já consegue perceber o grau de responsabilidade que tem quanto aos seus pensamentos, palavras, ações e podemos acrescentar também os sentimentos e desejos.
A humildade é sua característica essencial, uma vez que o verdadeiro buscador sabe que ele não é nada em relação ao Todo. É uma ínfima parte do Todo. Contém o Todo, mas não é o Todo, é somente uma parte Dele. O místico sabe e deseja “ser pequeno para poder crescer” (2) e “ser humilde para ser grande” (2). Ele não se gaba dos seus conhecimentos ou da sua sabedoria porque sabe que seu caminho está sempre começando. Ele já faz restrição aos excessos da vida mundana, passando a viver cada vez mais a simplicidade, a honestidade, a transparência, a tranquilidade de quem sabe que tudo tem a sua hora e nada acontece por acaso.
A justiça passa a fazer parte da alma do místico. É a justiça divina que pede para ser cumprida e respeitada, uma vez que a “justiça dos homens” infringe todos os casos, erra, nega o direito, restringe a ação, condena o inocente, absolve o culpado, não faz cumprir a pena cabida, não atende aos absurdos da violência.
O amor incondicional passa a ser a premissa básica da vida do místico. Não deseja mais dar para receber em troca. Só deseja dar, dar de si e vibrar para que toda a humanidade, o planeta, o Universo, recebam a energia necessária para o seu equilíbrio e, consequentemente, atingir a paz. O amor manifesta-se no seu pensamento, no seu coração e nas suas atitudes.
Assim, o místico deseja apenas viver em equilíbrio e harmonia, longe dos excessos mundanos, para que possa seguir sempre em frente em direção ao Deus interior.
Viver em equilíbrio e harmonia requer do místico que ele corrija sempre todos os seus erros, que fique alerta para não incorrer nas mesmas faltas, que deseje verdadeiramente “matar o velho homem” e deixe o “novo homem” comandar a sua vida.
O verdadeiro místico sofre mais do que as pessoas não místicas. As provas pelas quais ele passa parecem ser sempre mais difíceis, talvez porque a sua consciência lhe exige mais. Ele sabe das consequências de cada vibração que sai de si próprio e o quanto essa vibração afeta tudo o que está à sua volta porque tudo está interligado.
E somente tendo consciência do poder do nosso desejo é que nos permitiremos ver a luz primordial, ou seja, reconhecer Deus dentro de nós mesmos.
Um dia, todos compreenderão que a fragmentação é apenas do mundo exterior. Que todas as nossas diferenças irão desaparecer quando da reintegração, quando tirarmos os véus que nos cegam e atingirmos o nível de consciência de que somos UM em essência. Então, o desejo de existir como almas individuais evolui para o desejo de nos tornar apenas UM.
O Deus-homem, movido pelo desejo de TER, passa a ter apenas o DESEJO DE SER um homem-Deus, e assim ‘fazer parte’, reintegrando no Pai.
Simples assim porque tudo é simples, é perfeito, é divino, é UNO.
Bibliografia
- Wikipédia A enciclopédia livre (Internet) – Misticismo
- GUILMOT, Max, O Legado do Saber. Curitiba: Ordem Rosacruz – AMORC – Grande Loja da Jurisdição de Língua Portuguesa, 1991.