Existem diferentes formas de interpretação de um texto, pois dependem da cultura intelectual, moral e espiritual de cada um. Devemos considerar ainda que podemos ler um texto de forma superficial, como normalmente ocorre, ou com maior profundidade, buscando nas suas entrelinhas outros significados, os quais estão de forma velada, disponível para aqueles que estiverem atentos e prontos. Tomemos por exemplo as parábolas de Jesus, nosso Mestre. Suas parábolas têm muitas interpretações e ainda hoje discutimos, pesquisamos e tentamos inseri-las no seu contexto para buscar sua compreensão, assim como traduzi-las para os dias atuais, e descortinar o que está por trás daquelas singelas palavras, mas de profunda sabedoria.
Para a interpretação de um texto, devemos deixar de lado ideias preconcebidas, porque essas nos impedirão de ampliar nossa compreensão, além de nos induzir a ser tendenciosos e até preconceituosos, não nos dando a oportunidade de aprender coisas novas. Devemos, pois, ficar receptivos. Além disso, temos que considerar que tudo se transforma, inclusive a linguagem. As palavras ficam “desatualizadas” e novas palavras são usadas, criadas ou incorporadas de outras línguas, assim como recebem novas conotações e significados, conforme a época e o lugar.
A interpretação de um texto depende então do nível no qual queremos nos aprofundar. Tanto maior será nosso ‘mergulho’ no texto, quanto maior nosso conhecimento geral e, principalmente, nossa vontade de expandir o aprendizado.
Com o texto sagrado, a Bíblia, não poderia ser diferente. A cabala hebraica nos ensina que há quatro níveis de interpretação ou níveis de profundidade do texto sagrado, a Torá (Pentateuco), os quais são formados por um acróstico em hebraico denominado PaRDeS, formado pelas letras P, R, D, e S, pois na língua hebraica não há vogais.
A letra “P” de Pshat (פְּשָׁט) é a leitura mais simples, explícita, captada pelos nossos cinco sentidos e está associada às nossas “crenças”. Os sábios dizem que “Quem lê só o Pshat assemelha-se ao homem que vai colher o trigo, come a palha e joga fora a semente.”, ou àquele que julga a essência de um homem pelos seus trajes, ou ainda a qualidade de um vinho pelo recipiente. Isso significa que o que é assimilado pelo homem é o nível literal das palavras, trata-se de um entendimento superficial de um versículo ou passagem da Bíblia.
A letra “R” de Remez (רֶמֶז) é uma leitura um pouco mais aprofundada, buscando o significado alegórico ou insinuado, no qual o enredo já não é mais o objetivo da leitura, mas sim o que ele revela num sentido mais abstrato. As palavras remetem a “pistas” ou “dicas” que aludem ao que tem que ser entendido no interior das coisas. Nesse nível de interpretação já se desvincula das crendices para se “raciocinar” sobre o texto. Por exemplo: o ato de Abraão abandonar sua terra natal em direção à Canaã deixa de ser apenas um ato físico, mas principalmente sua evolução espiritual em direção à vontade divina.
A letra “D” de Drash (דְּרַשׁ) é uma leitura em que o significado está ainda mais profundo. Preserva-se a interpretação literal, mas o relato indica um ensinamento moral ou filosófico que está por trás das simples palavras. Para entendê-lo é preciso conhecimentos complementares para decompor o texto e analisar sugestivamente sua mensagem, buscando uma nova luz sobre o ensinamento bíblico. O homem deduz o que é desejável ou indesejável para o Divino, o que é correto ou incorreto nas relações humanas. Esta interpretação é usada pelos Mestres espirituais, uma vez que já “conhecem a si mesmos”. Por exemplo: o ato de Abraão é ainda mais profundo quando reconhecemos que ele representa o abandono às coisas materiais e mundanas, seguindo com determinação e total entrega a Deus.
A letra S de Sod (סוֹד) é o entendimento do porquê das coisas, ou seja, descortina-se o grande “mistério” ou “segredo” – o significado oculto de um versículo ou passagem da Bíblia – que é onde a Cabala está contida. Sua interpretação revela os segredos do universo e de toda a Criação, visível e invisível. Requer do seu leitor a Fé em seu Deus, que seja um “buscador inspirado” e à busca da “revelação” original – fugindo totalmente da sua interpretação literal. Por exemplo: o Gênesis seria a descrição da descida da alma ao corpo denso, enquanto o Êxodo, do retorno à sua origem.
PaRDeS significa paraíso porque quando o ser humano conseguir compreender realmente os ensinamentos codificados e ocultos dentro do texto sagrado, ele terá acesso ao verdadeiro ‘paraíso’, ou seja, ele conquistará a chave que o permitirá transpor o portal que o levará de volta à casa do Pai.
A busca pelo conhecimento deve, portanto, nortear e ser uma constante na nossa jornada. Esse caminho em direção ao ‘paraíso’ ou à ‘consciência do paraíso’ pode ser denominado de ‘caminho do meio’, assim chamado porque é uma via de equilíbrio e harmonia com as Leis Divinas, onde se abandona os excessos da vida mundana, com consciência da sua origem e destino, e em total sintonia com Deus em pensamento, vontade e ação. O pré-requisito para isso é o conhecimento profundo de si mesmo, assim como das Leis Divinas, além da sua compreensão e prática constante. Estaremos prontos para seguir por essa via quando ‘abrimos’ nossa mente e coração para novos conceitos e níveis de consciência. É a busca pelo ‘novo’ e pela evolução.